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Autodidata, aprendeu a ler com laudas de notícias das rádios que visitava na infância
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'Mitos e Verdades', seu quadro aos domingos, é um dos mais prestigiados pela audiência
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Mãe, avó e primos do repórter tiveram a mesma síndrome genética que o afeta
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Estúdio foi montado por ele próprio no seu apartamento em São Paulo
Duran: talento, educação e bom humor atraem admiradores e ajudam a vencer doença rara
Edu Garcia/R7 - 04.07.2022O jornalista Arnaldo Duran, 67 anos, é praticamente uma unanimidade positiva na Record TV. Profissionalmente, pelo talento e pela naturalidade empregados em suas reportagens sempre minuciosas. No plano pessoal, pela educação e simpatia extremas desse autodidata de 67 anos, nascido em Tupã, no estado de São Paulo, adotadas ao se relacionar com absolutamente todo mundo, do porteiro e do motorista aos mais patenteados líderes e executivos do grupo. É um elogio só.
O quadro Mitos e Verdades, reportado por ele no Domingo Espetacular, é um bombardeio bem organizado e impressionante de informações e avaliações de especialistas. Em muitos sentidos, é frequentemente o momento mais saboroso do programa – e também um dos mais prestigiados pela audiência.
Neste papo com o R7 ENTREVISTA, no amplo estúdio montado por ele próprio durante a pandemia em seu apartamento na região central de São Paulo, Duran repassa a carreira brilhante, fala sobre o trabalho atual no programa das noites de domingo e comenta sua paixão por tecnologia, mundo digital, aparelhos audiovisuais e livros de cultura popular.
E, sem meios-termos, conversa sobre como enfrenta, com nobreza absoluta e mesmo bom humor, a luta contra a síndrome de Machado-Joseph, doença degenerativa rara, de fundo genético, ainda sem cura, que afeta progressivamente o equilíbrio do corpo, a coordenação motora, o controle sobre os músculos, a fala e a deglutição, diagnosticada em 2015 e assumida publicamente por ele um ano depois.
Um show de coragem de um craque do jornalismo finíssimo no trato. Acompanhe:
O quadro Mitos e Verdades, reportado por você, é um dos momentos de maior audiência do Domingo Espetacular, na Record TV. O detalhamento dos assuntos e a quantidade de entrevistados e especialistas envolvidos impressionam. Como conseguir esse ótimo resultado todas as semanas?
Arnaldo Duran – Em primeiro lugar, a equipe do quadro é realmente competente, dedicada e parceira. Além disso, a gente não trabalha em um único quadro durante a semana. Fazemos entrevistas, imagens, gravações e trabalhos para mais do que um tema, e completamos os quadros de acordo com a agenda. Dá trabalho, claro, mas é um prazer imenso.
Conte-nos um pouco sobre você e sua carreira.
Comecei como locutor mirim em um programa de rádio, aos 13 anos, na Rádio Piratininga de Tupã, no estado de São Paulo, onde nasci. Morei com a família em Marília, também no interior paulista, em Londrina, no Paraná, e voltei a Tupã aos 12 anos. Meu pai, Orlando Duran, era bancário. Minha mãe, dona Terezinha, dona de casa. Sou autodidata. Estudei formalmente muito pouco, quase nada, só até a 3ª série do fundamental. Nem curso de datilografia cheguei a fazer. Sou o terceiro de cinco filhos, o do meio. Somos quatro homens e a caçula mulher. Sou casado e tenho um casal de filhos.
Como foi parar no jornalismo e na comunicação?
Aprendi a ler um pouquinho com a cartilha Caminho Suave, até a 3ª série, e mais profundamente depois, fuçando os textos das rádios na infância, sobretudo os da Piratininga, em Tupã, que adorava visitar na adolescência. Antes disso, moleque, entre 5 e 10 anos, visitava rádios em Londrina e era bem recebido. Ninguém me expulsava. Na Piratininga, os jornalistas escreviam as notícias, os locutores liam, abandonavam as laudas, e eu as pegava para admirar. Minha brincadeira predileta em casa era simular jornalismo de rádio, jornal e TV. Recortava as notícias dos jornais e fazia minha edição. Imitava locutores. Tanto que comecei em rádio porque passava trote para os locutores da Piratininga.
Como foi isso?
Eu ligava, mudava a voz, dava informações falsas, narrava notícias inventadas, fazia brincadeiras, essas coisas de moleque. No fundo, era o início da manifestação da minha grande paixão pela comunicação. Até que um dia um dos locutores, Raul Gonzales, telefonou para minha casa me pedindo para ir à rádio. Tremi de medo. Achei que levaria uma senhora dura pelos trotes. Assustado, implorei ao telefone, sem que ele tivesse antecipado rigorosamente nada sobre o assunto: “Pelo amor de Deus, não conte nada a meu pai; ele é muito bravo”.
O que o locutor queria, afinal?
Agora veja só: convidar-me para colocar voz em um comercial. E eu derretendo de medo [risos]. Gravei, eles gostaram e me chamaram para fazer um programa como locutor mirim. Na verdade, gostavam dos trotes. Era sempre uma coisa engraçada, divertida, nunca do mal. Foi o começo de tudo. O programa era infantil e se chamava Rota 70. Eu contava histórias e pedia que o ouvinte ligasse para comentar o que tinha ouvido.
E depois?
Fui para a técnica, algo que, como você pode perceber, me fascina [Duran aponta para o amplo estúdio montado por ele próprio em seu apartamento na região central de São Paulo durante a pandemia]. Em 1973, trabalhei numa rádio de uma cidade do norte paranaense em que, no crachá, eu era locutor, redator e, dito lá dentro, também chefe de redação. Na prática, o departamento era composto de uma única pessoa: eu [risos]. Prometeram registrar-me como jornalista na carteira, mas nela veio o pomposo nome de Encarregado do Serviço de Informações. Coisas do jornalismo no nosso Brasil do interior.
E o início nos grandes veículos de comunicação nacionais e internacionais?
Depois de trabalhar em várias rádios e jornais a partir de 1973, entrei na televisão dez anos depois, em 1983, na Globo de Bauru, no interior de São Paulo. Fiquei uma semana na cidade e vim, transferido, para a capital paulista. Depois de um tempo por lá e no oeste paulista, fui para a TV Manchete, no Rio de Janeiro. Foi um início nobre, mas era uma gastança danada de dinheiro, muita gente esbanjando com aparente descontrole, o que deve ter contribuído para a falência. Em seguida, tive minha primeira passagem pela Record TV. Aí fui para o SBT, novamente para a Globo e depois para a CBS Telenotícias, em Nova York. Não suportava o frio nova-iorquino e voltei ao Brasil.
Quando você retorna à Record TV?
Em 2006. Trabalhei no Jornal da Record, atuei em outros projetos, ganhei prêmios jornalísticos, entre eles o Embratel, até me fixar no Domingo Espetacular.
Em julho de 2016, um ano após ter o diagnóstico confirmado, você revelou em suas redes sociais ter a síndrome de Machado-Joseph, também chamada de ataxia espinocerebelar tipo 3. É uma doença neurológica degenerativa rara, de transmissão genética, ainda sem cura, que afeta o equilíbrio do corpo, a coordenação motora, o controle sobre os músculos, a fala e a deglutição. Dias antes do seu anúncio público, o ator Guilherme Karam morreu vítima da doença.
Verdade. Tentei esconder por um ano, mas percebi que isso não ajudava a mim nem a ninguém. A transmissão da síndrome de Machado-Joseph é apenas genética. Ainda não há cura ou remédio que a combata diretamente. Minha mãe, a avó materna e vários primos tiveram, mas morreram antes de terem o diagnóstico, mesmo porque nem eles nem ninguém que os rodeava sabiam o que era aquilo. Quase perdi a fala, mas consegui recuperar.
Como foram os primeiros sintomas?
Certo dia, eu caí feio, assim, do nada. Fiquei meio atordoado, e me levaram para o Hospital Samaritano, em São Paulo. Um plantonista achou estranho e perguntou à minha mulher: “Por que ele tem tanta ferida nas pernas?”. Elas viviam cheias de machucado. Trombava demais nas coisas, e ela disse ao rapaz. O plantonista, ao primeiro olhar, levantou a possibilidade de ser a síndrome. Consultou um médico que, na época, era o maior especialista brasileiro na doença. O plantonista era muito talentoso. Acredito que ele deva ter conhecido o problema na família ou durante a formação profissional. É uma doença que muitos neurologistas ainda não conhecem. Fiz o teste com geneticistas da USP, e veio o diagnóstico.
Você ficou quieto por um tempo...
Sim. Tinha medo de preconceito antes de revelar a doença – mas a rigor já convivia com ele. Muitas vezes, saí de manhã, com o andar trôpego, e alguém falou: “Olhe só aquele repórter bêbado logo de manhã”. No Rio, onde morei e tenho um apartamento, costumavam mandar: “Está ventando muito hoje, né, irmão?”. É uma das formas de o carioca bem-humorado brincar com quem tomou umas a mais. Só que eu não bebo.
Como você está?
Recuperei a fala, estou com o peso em ordem, faço todos os movimentos e sinto-me bem. Como não há medicação direta, tenho me cuidado com suplementos, vitaminas e remédios para dor e contrações musculares, além de algumas fórmulas. Trabalho normalmente. A Record TV foi preciosa. Ofereceu toda a retaguarda para que eu me cuidasse. Um bispo da Universal deu-me apoio na parte espiritual. Em algumas reuniões, orientava-me a fechar os olhos. Respondia ao bispo em tom de brincadeira: “Quem tem essa doença cai quando fecha os olhos”. [Ele ri]. Mas é verdade. Hoje consigo ficar de olhos fechados em várias situações.
Você é fã de tecnologia, mundo digital e aparelhos audiovisuais das várias gerações. Montou este grande e belo estúdio em que estamos, na sua casa. Como foi?
A partir do início da pandemia, o comando de jornalismo da Record TV e meus colegas de trabalho ficaram preocupados com a possibilidade de eu me expor à Covid e determinaram que eu ficasse em casa. Por conta dessa situação, montei o estúdio com vários computadores, aparelhos novos e antigos, rádios, duas versões da assistente virtual Alexa e livros de cultura popular, entre outras coisas. Hoje, ele é meu divertimento, o meu brinquedo.
Como a síndrome é genética e hereditária, há 50% de risco de um dia ela afetar seus filhos.
Prefiro dizer que há 50% de chance de ela não ser passada a eles.