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Leka: 'Estou feliz com 68 quilos. Mas sempre precisarei lutar contra os gatilhos que acionam compulsões'

Atriz e empresária, que chamou atenção como vítima de bulimia em um reality, conta em livro a batalha para se livrar do problema e dos remédios na aposta para se manter magra a qualquer custo

Entrevista|Eduardo Marini, do R7

Leka revela em livro detalhes de sua luta contra a bulimia e as compulsões
Leka revela em livro detalhes de sua luta contra a bulimia e as compulsões Leka revela em livro detalhes de sua luta contra a bulimia e as compulsões

A atriz e empresária paulistana Alessandra Begliomini, a Leka, surpreendeu o país, 20 anos atrás, ao tomar, em um reality show, uma atitude àquela altura pouco discutida, e muito menos tomada, diante de câmeras de tevê. Logo após comer, Leka, mesmo consciente de que tudo poderia ser transmitido ao vivo, foi ao banheiro provocar vômito. Uma atitude típica dos que sofrem de bulimia, um distúrbio psicológico de quem busca a magreza a qualquer custo e de forma obcecada.

Agora, aos 47 anos, livre nos últimos 15 dos efeitos da bulimia, e também das anfetaminas, laxantes, diuréticos e outros remédios que tomava para manter artificialmente o peso na baixa, ela acaba de lançar o livro Loka, Eu?! Minha História de Pesos, Limites e Big Compulsões (Matrix Editora, 208 páginas, R$ 47).

Leka repassa sua trajetória e relembra as dificuldades para superar as compulsões e o comportamento bulímico. No livro, diz que ficava feliz quando a balança marcava até 61 quilos. Dos 62 aos 65, acendia o sinal amarelo. Aos 68 ficava deprimida e, aos 70, evitava até mesmo sair de casa.

Agora, madura, casada e mãe, sente-se feliz com seus 68 quilos, distribuídos em 1,71 metro de altura. “Mas preciso controlar os gatilhos porque senão volta tudo. Essa luta será eterna para mim. Ainda sinto no corpo os efeitos de coisas negativas que tomei. Tomara que ajude outras pessoas a se livrarem do problema.” Ato de coragem. Acompanhe:

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Você conta no livro o pior momento de sua participação em um reality show, aos 27 anos, sob o ponto de vista de quem sofria efeitos da bulimia e da rejeição do corpo, mas ainda sem plena noção do problema. Pode relembrar?

Leka Begliomini – Sim, claro. Era um desafio, aparentemente simples, para ganhar parte da alimentação da semana. A soma do peso de todos os participantes deveria aumentar em 5 quilos num curto espaço de tempo. Para isso, todos nós fomos pesados antes e depois da prova, ao vivo, para milhões de pessoas.

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Quando tive que me pesar e revelar o peso ao vivo%2C no reality%2C minhas pernas tremiam como vara verde. Batiam no tecido da canga que usava na primeira pesagem. Abalo puro. Me perguntava em pensamento%3A "Meu Deus%2C como vou conseguir fazer isso%3F". Revi essas cenas recentemente e%2C confesso%2C tive uma sensação incômoda

(LEKA BEGLIOMINI)

Na sua cabeça aquilo deve ter parecido um terror.

Esse é o termo. Para quem não conhece ou viveu o problema pode até parecer estranho, mas foi um tipo de terror que, sinceramente, provoca em mim sensações ruins até hoje, ao recordar. Lembro que minhas pernas tremiam como vara verde e batiam no tecido da canga que usava na primeira pesagem. Abalo puro. Me perguntava em pensamento: "Meu Deus, como vou conseguir fazer isso?". Revi essas cenas recentemente e, confesso, tive uma sensação incômoda.

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A produção lhe deu apoio?

Era algo com que nem eu nem a própria produção sabíamos lidar porque eu ainda não tinha sido diagnosticada nem comentado com eles sobre minhas atitudes nessa questão. O episódio não foi feito para me agredir ou punir. Não tinham a menor ideia do que aquilo provocaria em mim. Depois, com a coisa do vômito, que, obviamente, se tornou mais visível a todos aqui fora, houve uma referência em uma das conversas com o apresentador e aí passei a me preocupar um pouco. A gente fazia terapia na casa e chegaram a dizer que me liberariam se eu quisesse, mas não senti essa urgência. Nem eles. E, claro, com o dinamismo dos meus 27 anos, não queria abandonar aquela situação de disputa. Quando saí de lá, tomei um susto. Hoje, com o tema mais em discussão, acho que o cuidado seria outro. Evoluímos. Que bom.

Você teve reação adversa de saúde, antes do reality, ligada ao problema? 

Tinha passado por uma anemia por deficiência alimentar. Apresentei alguns traços psicológicos, mas, como disse, ainda não tinha encontrado um médico ou psiquiatra que me dissesse: "O que você tem é bulimia, e bulimia é isso". O que, para meu bem, aconteceu anos depois. Tinha uma vaga noção de que algo poderia estar errado, mas ao mesmo tempo aquilo me parecia um pouco irreal. Não dimensionava o tamanho do problema. Imaginava que aquelas eram atitudes mais normais do que efetivamente eram, sobretudo entre moças e mulheres da minha idade, entende?

Anfetaminas%2C laxantes%2C diuréticos por mais de dez anos… Laxantes atacaram minha flora intestinal. Ainda sinto efeitos desses remédios no meu corpo%2C embora bem menores. Não quero isso de novo nem para mim nem para ninguém. Por isso assumi o desafio de discutir a questão no livro. O problema tem plena saída a partir do momento em que a gente o encara de verdade

(LEKA BEGLIOMINI)

Sim. Você tinha feito terapia antes do programa?

Fiz, mas posso te dizer de carteirinha que terapia funciona quando se chega com um mínimo de olhar, de consciência, sobre o problema, e não se nega informação ao terapeuta. Se você sonega o caminho, sobretudo em uma questão como essa, não adianta. O terapeuta ainda não tinha o olhar, a indução mínima — mas precisava ter.

Olhando pelo retrovisor, como foram as evoluções da bulimia e do comportamento compulsivo até você chegar ao reality?

Uma soma de vários fatores. Alguns até prosaicos. Sou de família italiana, que, como você sabe bem, só pensa em comer. Cresci mandando fogo em comida empurrada pela mamãe, pela nonna, por todo mundo. Do cannoli ao ravióli, tudo [risos]. Depois, como toda menina, vivia em um cenário onde todo mundo dizia que mulher precisava ser magra. Aí a pessoa desenvolve um transtorno e a louca é ela, né? [risos]. No livro falo desse prazer de amar comer muito — e bem —, uma característica bem italiana, né? Mas no caminho houve coisas que me marcaram negativamente de maneira menos simbólica e mais forte e concreta.

O que realmente deixou marcas ruins?

Basicamente, minha relação com duas pessoas: uma professora de balé e um pediatra. Tenho 1,71 metro de altura, tamanho razoável para uma mulher no Brasil. Nunca fui obesa, mas também não era magrela. Não tinha o corpo longilíneo, alongado, delgado, típico das bailarinas. Mas fazia e queria muito aprender balé. A professora me disse que eu dificilmente evoluiria porque, entre algumas outras coisas, tinha a perna grossa para o balé. Você imagina o impacto traumático que isso produz numa criança.

De um lado%2C a professora diz que eu não serei bailarina porque tinha a perna grossa. Aí eu vejo meninas se enrolando em plástico para suar e emagrecer. Do outro%2C o médico dá prêmio a amigos e eu não mereço porque engordei 500 gramas%2C ou um pouco mais%2C ou um pouco menos. Um banimento. Coisas como essas não podem fazer bem a uma criança ou adolescente%2C não é mesmo%3F

(LEKA BEGLIOMINI)

E o pediatra, o que fez?

Era um profissional conhecido, respeitado, mas obcecado por magreza. Acho que não estava errado na tentativa de controlar nosso peso, só que ele usava métodos delicados para crianças. Lembro-me bem: pesava 61 quilos e meio, em média, entre 10 e 11 anos. O pediatra falava coisas do tipo "você precisa pesar tanto e manter esse peso para o resto da vida; não poderá engordar de jeito nenhum". Além disso, ele tinha um costume que me marcou muito de forma negativa: premiar os amigos que emagreciam com alguma guloseima e deixar os outros sem nada. Isso era horrível. Você se sente inadequado. De um lado, a professora diz que eu não serei bailarina porque tinha a perna grossa. Aí eu vejo meninas se enrolando em plástico para suar e emagrecer. Do outro, o médico dá prêmio a amigos e eu não mereço porque engordei 500 gramas, ou um pouco mais, ou um pouco menos. Um banimento. Coisas como essas não podem fazer bem a uma criança ou adolescente, não é mesmo?

E depois disso?

Fui tentando manter o peso a qualquer custo, sempre achando que estava maior do que deveria ser. Muitas vezes, comia e tomava laxantes, para ir ao banheiro me livrar da comida. Depois vieram os diuréticos. Comecei a frequentar um grupo de vigilantes do peso mas, quando ia lá e verificava que tinha perdido peso, eu me "premiava" comendo alimentos calóricos logo na saída, com uma amiga. Festa na padaria, mas escondida, como se fosse droga, um crime, um ato de ilegalidade. Nessa de me premiar comendo, começaram as atitudes bulímicas, entre elas comer e tentar colocar para fora logo depois. Os regimes com as anfetaminas e outros inibidores de apetite agressivos para a saúde. Nesse período era muito comum os médicos receitarem fórmulas com anfetaminas e outras coisas ruins dentro. Muitos faziam isso, e a gente conseguia fácil. O negócio da compulsão... Hoje tenho claro que essas coisas eram elementos da compulsão e da bulimia.

As dependências%2C todas elas%2C são progressivas e incuráveis. Um dependente de álcool ou droga que deixou de consumir a substância não está curado. Podem passar três%2C quatro%2C dez anos limpo%2C mas%2C se experimentar de novo%2C a avalanche de consumo volta com mais força. Com bulimia e compulsões de ordem psicológica%2C ocorre algo muito semelhante

(LEKA BEGLIOMINI)

Atitudes de compulsivos, muito semelhantes às dos dependentes.

Exato. As dependências, todas elas, são progressivas e incuráveis. Um dependente de álcool ou droga que deixou de consumir a substância não está curado. Podem passar três, quatro, dez anos limpo, mas, se experimentar de novo, a avalanche de consumo volta com mais força. Com as compulsões de ordem psicológica, ocorre algo muito semelhante.

O livro: relatos corajosos
O livro: relatos corajosos O livro: relatos corajosos

No livro você conta que, na adolescência, juventude e mesmo como jovem adulta, ficava feliz pesando até 61 quilos. Entre 62 e 65 quilos, acendia o sinal amarelo. O humor acabava aos 68 quilos e, aos 70, parava até mesmo de sair de casa. Hoje, aos 47 anos, duas décadas após a participação no reality, e há 15 anos sem tomar remédios, anfetaminas e sem atitudes bulímicas e compulsivas, você está muito bem e se diz feliz com seu 1,71 metro de altura e 68 quilos. É isso mesmo?

Estou feliz sim. Sinto-me bem. Aprendi a comer bem no melhor sentido da expressão. Posso comer um chocolate de vez em quando, não precisa ser a caixa inteira, né? Controlar essa situação será sempre um desafio para mim, como é e será para qualquer compulsivo. Sempre. Por isso tenho que me controlar e ter equilíbrio para fugir dos limites da área de risco, porque senão os gatilhos são acionados e tudo volta com força ainda maior. A maturidade ajuda. Anfetaminas, laxantes, diuréticos por mais de dez anos… Laxantes atacaram minha flora intestinal. Ainda sinto efeitos desses remédios no meu corpo, embora bem menores. Memórias do corpo, né? Não quero isso de novo nem para mim nem para ninguém. Por isso assumi o desafio de exibir minha batalha e discutir a questão no livro. Quero ajudar a mostrar às pessoas, sobretudo mulheres bulímicas, que o problema tem plena saída a partir do momento em que a gente o encara de verdade.

Mesmo com bulimia e compulsões, você nunca parou. É atriz e empresária. Tem formação em artes cênicas, administração de empresas e jornalismo. Fale sobre sua trajetória profissional.

A compulsão, felizmente, não atrapalhou meu lado empreendedor. Jovem, arrendei uma pousada na Bahia. Voltei anos depois a São Paulo. Minha avó tinha um terreno grande, herdado por quatro tios meus. Ela não queria que o espaço fosse vendido ou retalhado pelos filhos, então aluguei a propriedade de meus tios e a transformei em um estacionamento. Como tinha uma faculdade perto, a coisa pegou. Do estacionamento, estendi o negócio para uma empresa de vallet de estacionamento em restaurantes e eventos que, por algum tempo, foi uma das maiores de São Paulo no setor. Fazia muito sucesso, sobretudo à noite. Em seguida abri uma agência de eventos, festas, produção. Agora tenho também uma marca de roupas, a B. di Body.

Obrigado. É noite. Vá descansar.

Descanso nada. Hoje ainda vou longe. Sou compulsiva também por trabalho — e essa compulsão não consigo abandonar.

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