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Lorena, do Careca TV: 'Fiquei 45 dias sem fala, uso cadeira de rodas, mas venci o câncer. Estou curada'

Ela descobriu um tumor na cabeça aos 11 anos. Lançou canais de sucesso na web, venceu a doença e agora, aos 19, cumpre agenda lotada, faz graduação em audiovisual e planeja montar produtora

Entrevista|Eduardo Marini, do R7

Lorena trabalha de manhã, faz reabilitação à tarde e estuda à noite em cadeira de rodas
Lorena trabalha de manhã, faz reabilitação à tarde e estuda à noite em cadeira de rodas Lorena trabalha de manhã, faz reabilitação à tarde e estuda à noite em cadeira de rodas

Lorena Reginato Defende tem apenas 19 anos, mas escreveu uma história digna de grandes personagens neste pequeno intervalo de seu início de vida.

Em 2015, com apenas 11 anos, essa paulista de Jaú radicada em Bauru, também no estado de São Paulo, foi diagnosticada com um câncer agressivo na parte de trás da cabeça. Passou por duas cirurgias no crânio, perdeu totalmente a fala por 45 dias e teve os movimentos comprometidos, o que a leva a necessitar ainda hoje de cadeira de rodas.

Mesmo assim, venceu a luta: teve a cura do câncer anunciada por seus médicos em 2017. Um ano antes, abriu, no YouTube e em outras redes sociais, o canal Careca TV. O nome remete à perda de cabelo devido às 48 sessões de quimioterapia e 34 de radioterapia feitas por ela até a cura final.

Nos vídeos, Lorena retrata episódios do período com coragem, maturidade, resiliência e bom humor surpreendente para uma adolescente com um problema tão grave. Hoje, acumula cerca de 1,7 milhão de seguidores no YouTube, um tanto semelhante no Facebook e caminha para os 300 mil súditos no Instagram.

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Nesta conversa com o R7 ENTREVISTA, Lorena, que trabalha em home office de manhã, frequenta reabilitação à tarde e faz curso superior de produção audiovisual à noite, dá detalhes de sua caminhada exemplar. Explica o processo de recuperação, comemora a vitória, fala sem ressentimentos sobre as sequelas e revela planos futuros. "As pessoas têm tabu de conversar sobre câncer, mas estou aqui. Pode perguntar. Responderei a tudo. Sinto-me na obrigação de contribuir." Papo de imbatível. Acompanhe.

Careca, agora, só nos nomes do canal no YouTube e dos espaços nas redes sociais. O cabelo voltou...

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Lorena Reginato Defende – Verdade. [Ela faz uma pausa e depois sorri.] No combate ao câncer no cérebro, perdi cedo o cabelo com as 48 sessões de quimioterapia e 34 de radioterapia. Por isso dei ao canal e às páginas das redes sociais o nome Careca TV. Minha cura foi anunciada pelos médicos em 2017. Com a superação, também o cabelo voltou (risos).

Amo esporte. Vôlei%2C basquete%2C futebol e%2C sobretudo%2C skate. Adorava estar nas pistas. Talvez passe%2C mas hoje%2C precisando de cadeira de rodas%2C confesso ficar deprimida às vezes ao acompanhar essas performances%2C sobretudo a de skatistas. Até descobrir o câncer%2C sonhava em fazer filmes e produções sobre esses temas. Com o tumor e o tratamento%2C o YouTube virou uma ferramenta importante na minha recuperação%2C ao lado do apoio de meus familiares e amigos

(LORENA REGINATO DEFENDE)

Um ano antes, em 2016, você iniciou os trabalhos no YouTube.

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Isso. Amo esporte. Vôlei, basquete, futebol e, sobretudo, skate. Adorava estar nas pistas. Talvez passe, mas hoje, precisando de cadeira de rodas, confesso ficar deprimida às vezes ao acompanhar essas performances, sobretudo a de skatistas. Até descobrir o câncer, sonhava em fazer filmes e produções sobre esses temas. Com o tumor e o tratamento, o YouTube virou uma ferramenta importante na minha recuperação, ao lado do apoio de meus familiares e amigos, que jamais me trataram com a postura piedosa de quem se relaciona com alguém com doença grave. Os seguidores também foram e são muito bacanas.

Sua maturidade, resiliência e mesmo bom humor nas postagens surpreenderam, impressionaram e conquistaram seguidores. Como foi a construção do canal?

Comecei no YouTube em 2016, aos 12 anos, um ano depois das cirurgias e um ano antes de ouvir dos médicos que estava curada. Ajudada por meu irmão, Lucas, hoje com 22 anos, postei o primeiro vídeo, falando sobre meus sonhos de ter um canal, revelando a doença e explicando minha voz pausada, meio metálica. Ele atingiu 1 milhão de acessos muito rapidamente. Fiz 127 vídeos até agora. Na maioria deles, conto histórias e lembro episódios da fase, quase sempre com humor e linguagem carinhosa, verdadeira. Isso ajudou decisivamente para o sucesso. Esse vídeo inicial, por exemplo, se aproxima dos 5 milhões de visualizações. Há dezenas de outros acima do milhão. No início, em 2016, gente cruel invadiu o canal e apagou tudo. Acredita? Refiz os vídeos e continuei firme. E brevemente vou atualizar o espaço com vídeos novíssimos. Apesar da agenda forte, preciso voltar a postar com maior frequência.

Tudo isso? Com esses números, deve haver muitos seguidores…

Na última vez que vi, eles eram 1,67 milhão no YouTube, mais ou menos o mesmo número no Facebook e a coisa caminhava para 300 mil no Instagram.

E a touca que virou sua marca nos vídeos?

Ganhei da Camila, uma amiga, de presente de aniversário, uma touca amarela, do cachorro bulldog Jake, da série animada americana de televisão Hora de Aventura.

Você conta a sua história em dois livros…

O primeiro, O Sonho de Lorena, vendeu muito bem e ainda é encontrado nas livrarias e na internet. O segundo, Um Sonho Careca, tem parte da renda dedicada ao combate ao câncer. Passo informações nas minhas redes sociais a quem quiser adquirir os dois. Espero todos.

Como você descobriu o câncer?

Aos 11 anos comecei a reclamar de dores fortes na cabeça e nas costas. Ficava tonta. Por causa da idade, minha mãe achou inicialmente que eram sintomas de começo da menstruação. O primeiro médico pediu exames e deu diagnóstico de enxaqueca.

Erro de diagnóstico é um problema frequente no Brasil…

Pois é. Tomei os remédios, mas as dores não diminuíram, e passei a ter dificuldades de visão. Dizia: “Estou ficando vesga”. Meu avô é médico. Comentamos com ele as dificuldades. Logo depois, na praia, ele me viu pressionando os olhos para tentar enxergar, reclamando da visão, e disse: “Isso pode não ser apenas enxaqueca. Acho melhor fazer uma ressonância magnética”. Fizemos os encaminhamentos iniciais e fomos para o exame.

Careca, com a mãe, Fiorella, nos primeiros momentos de tratamento após cirurgias
Careca, com a mãe, Fiorella, nos primeiros momentos de tratamento após cirurgias Careca, com a mãe, Fiorella, nos primeiros momentos de tratamento após cirurgias

E aí?

Não deu outra: a ressonância identificou o câncer. Normalmente, esse tipo de tumor aparece na região frontal do crânio, mas no meu caso ele surgiu na parte de trás da cabeça, um lugar bem mais difícil para os trabalhos de retirada e tratamento. Cresceu assim do nada, rapidamente. O médico disse que, se eu não operasse naquele momento, correria sério risco de ter uma parada cardiorrespiratória.

Você foi operada em seguida?

Sim. Tinha 11 anos. A primeira cirurgia, em 9 de março de 2015, drenou a hidrocefalia, o líquido em excesso produzido pelo cérebro nessas situações. Cinco dias depois, retiraram o tumor na segunda operação. Foram duas cirurgias, mas tenho três cicatrizes na cabeça porque os passos da primeira precisaram ser refeitos. Abriram duas vezes, dos dois lados do crânio.

Os procedimentos foram bem realizados?

Sim, mas tive uma complicação rara no cerebelo, relacionada a cirurgias na região posterior do crânio, que comprometeu a fala e os movimentos do corpo. Fiquei sem falar por 45 dias e ainda hoje preciso de cadeira de rodas para me movimentar.

E depois?

Os períodos após as sessões de radioterapia e quimioterapia foram os mais difíceis da minha vida. Internada, sem conseguir andar… Não falava, mas sabia de tudo o que ocorria à minha volta. Como não conseguia falar, muitas vezes gritava. Os enfermeiros achavam que eu estava com dor e… tome remédios fortíssimos na veia. Me sentia dopada. Só que não era dor: apenas estava tentando falar.

Uma fonoaudióloga me ensinou a dizer sim e não por gestos. Acertou esses códigos com meus familiares e o pessoal do hospital. Para o sim eu daria uma língua. Para o não%2C deveria ampliar os buracos do nariz. Isso me deu um ganho concreto de qualidade de vida%2C pela comunicação. A partir daí as pessoas ao menos passaram a saber de algo que eu desejava%2C né%3F

(LORENA REGINATO DEFENDE)

Como foi a história dos ensinamentos da profissional no dia em que liberaram sua ida para casa?

Uma fonoaudióloga me ensinou a dizer sim e não por gestos. Acertou esses códigos com meus familiares e o pessoal do hospital. Para o sim, eu daria uma língua. Para o não, deveria ampliar os buracos do nariz. Isso me deu um ganho concreto de qualidade de vida, pela comunicação. A partir daí as pessoas ao menos passaram a saber de algo que eu desejava, né? Eu e minha mãe somos muito gratas e temos carinho por ela.

E a volta para casa?

Ah, é outra coisa… Lembro-me como se fosse hoje de como fiquei feliz. O cheiro, a energia. É diferente, né? Havia uma cama hospitalar em casa. Meu irmão chegou perto, falou “oi” e eu consegui sorrir pela primeira vez. Até então praticamente não me mexia. Fui aos poucos: da cama hospitalar para a cadeira, mexendo primeiro um dedo, dois, depois o braço… E assim foi.

Meu irmão deixou a escola por um período%2C aos 14 anos%2C para me acompanhar em casa. Ficava comigo vendo tevê%2C séries e coisas na internet. Tínhamos um código%3A se eu ficasse totalmente imóvel%2C sem me mexer%2C era porque não estava gostando do filme%2C da série ou da programação. Nessas ocasiões%2C ele sempre trocava o programa. Sempre. Em todas as vezes. Mesmo quando ele estava gostando muito da coisa. As primeiras palavras que consegui pronunciar após 45 dias sem fala foram para minha mãe%3A 'eu te amo'. Não foi%2C assim%2C um eu te amo forte%2C sabe%3F Foi devagar%2C pausado%2C tipo assim%3A eu – te – amo. Com intervalo grande entre as palavras e a voz mais fraca do que a de agora.

(LORENA REGINATO DEFENDE)

Seu irmão, Lucas, cursa hoje o último ano de tecnologia da informação em Jaú (SP). É verdade que ele largou os estudos por um período para lhe fazer companhia após sua volta?

Sim. Tinha 14 anos na ocasião. Ficava comigo vendo tevê, séries e coisas na internet. Tínhamos um código: se eu ficasse totalmente imóvel, sem me mexer, era porque não estava gostando do filme, da série ou da programação. Nessas ocasiões, ele sempre trocava o programa. Sempre. Em todas as vezes. Mesmo quando ele estava gostando muito da coisa.

Houve mais alguns momentos emocionantes nesse período sofrido. Um deles foi quando você conseguiu dizer as primeiras palavras após o tratamento. Pode lembrar quais foram e para quem?

Claro. Foram para minha mãe, Fiorella: Disse: “eu te amo”. Não foi assim, um eu te amo forte, sabe? Foi devagar, pausado, cortadão, tipo assim: eu – te – amo. Com intervalo grande entre as palavras e a voz mais fraca do que a de agora.

O que pensa para o futuro?

Tenho uma agenda cheia. Trabalho de manhã, em home office, cumpro as etapas da reabilitação — fonoaudiologia, fisioterapia e hidroterapia — à tarde e sigo com cadeira de rodas para a faculdade à noite. Meus colegas me ajudam muito a ir de um lugar para outro.

Rotina puxada.

Verdade. Por isso preciso ficar atenta para abastecer o YouTube e as redes sociais. Estudo produção audivisual. O próximo sonho de Lorena, para lembrar o livro, é abrir uma produtora. Quero produzir minhas coisas e, quando possível, também projetos de outras pessoas.

E sobre a recuperação daqui para a frente?

Deixei de produzir alguns hormônios. Isso impede a recuperação de alguns pontos. Mas posso melhorar das sequelas ligadas à fala e aos movimentos. O importante é seguir firme.

Sem a menor dúvida. Você é exemplo. Parabéns e muito obrigado.

Adorei a conversa. Eu e minha família agradecemos.

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